UNIVERSO INCONSCIENTE será o tema do Festival de Inverno da UFOP em 2025

Criado por CCULT em qui, 17/10/2024 - 14:50
A Coordenadoria de Cultura da Pró-reitoria de Extensão e Cultura - PROEX, em conjunto com a Comissão Institucional do Festival de Inverno (CIFI), definiu a temática para o Festival de Inverno da UFOP 2025. O tema da edição será Universo Inconsciente.
Aquilo que chamamos de “inconsciente” é comumente interpretado como um conjunto de processos mentais ocultos, inexplorados, desconhecidos. A partir dessa concepção também produzimos as artes do inconsciente, manifestações que emergem das camadas mais profundas da psique humana. Por seu intermédio, acredita-se que é possível trazer à tona emoções, pensamentos e sensações que frequentemente escapam da ideia corrente de uma “consciência racional”, englobando diversas práticas artísticas que priorizam o fluxo natural da criatividade, a intuição e a espontaneidade.
Ao dar forma aos tumultos internos, é possível produzir experiências estéticas que podem ser perturbadoras ou esclarecedoras. De toda forma, essas experiências tendem a criar rupturas no ritmo da vida cotidiana e oportunidades para ampliar a compreensão sobre a ideia de humanidade.
Ao falarmos de inconsciente podemos rapidamente nos lembrar de correntes artísticas como o Surrealismo, em que a arte popularmente mais acessada se embrenha sobretudo no campo dos sonhos, das colagens oníricas. No Brasil, contudo, essa discussão tem reverberações ainda mais ricas e particulares em um contexto povoado pela convivência de culturas, as questões raciais, as desigualdades sociais provindas da colonização, as cosmologias dos povos originários, as práticas clínicas da luta antimanicomial, o sincretismo religioso, a extensão geográfica, entre outros aspectos que alimentam imaginários íntimos e coletivos muito diversos.
Para Jaider Esbell, indígena macuxi que também foi escritor, artista, arte-educador, geógrafo e curador brasileiro, na arte reside a possibilidade de apresentar conceitos ou imagens inusitadas que talvez não fossem aceitos em outros campos mais convencionais. “No campo das artes enquanto um ambiente de amplo pensamento podemos ter a liberdade de propor improváveis ilustrações, ou fazer sozinho leituras de mundos em campo aberto para que um ou outro transeunte perceba e pare diante do que lhe parecer mais atrativo e sinta vontade de convidar mais alguém, saindo do usufruto dos privilégios e movendo uma outra ideia de economia, a polieducação” (Esbell, 2020). A polieducação provocada por Jaider parece sugerir uma nova abordagem de aprendizado pautada no exercício da alteridade e compartilhamento.
A psiquiatra Nise da Silveira, que revolucionou o tratamento de saúde mental no Brasil, acreditava que a arte não somente era uma via de acesso privilegiada ao inconsciente como uma ferramenta de cura, um meio pelo qual as imagens internas – muitas vezes reprimidas ou não articuladas conscientemente – podem ser manifestadas e elaboradas. Inspirada pelas aulas e diálogos com Carl Jung, Nise administrava o Setor de Terapêutica Ocupacional no Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, no Rio de Janeiro. Diversas práticas no setor mostravam resultados expressivos, mas Nise observou, nos frequentadores do ateliê de pintura, "a existência de uma pulsão configuradora de imagens sobrevivendo mesmo quando a personalidade estava desagregada" (Silveira, 1992). A arte era configurada como parte de um tratamento mais humanizado para pacientes psiquiátricos que, na época, eram submetidos a métodos agressivos como eletrochoques e lobotomias.
Davi Kopenawa, liderança do povo yanomami, frequentemente salienta que a expressão viva do inconsciente e da espiritualidade consiste nos sonhos, que criam canais de comunicação entre mundos. Indo para além de uma individualidade psíquica, em um sistema cosmológico coletivo, os sonhos revelam conhecimentos que são fundamentais à manutenção da vida yanomami e trazem mensagens que definem a vida cotidiana e política.
As florestas plantadas por Jaider Esbell, Nise da Silveira e Davi Kopenawa são algumas inspirações para a vasta possibilidade de projetos que podem emergir ou serem fortalecidos a partir de Universo Inconsciente, a temática proposta pelo Festival de Inverno da UFOP em sua edição de 2025.
REFERÊNCIAS
ELBELL, Jaider. A arte indígena contemporânea como campo de manifestação de inconscientes e o disparador político para o além (r)evolutivo. Galeria Jaider Esbell, Roraima. 11 de julho de 2020. Disponível em: <http://www.jaideresbell.com.br/site/2020/07/11/a-arte-indigena-contemporanea-como-campo-de-manifestacao-de-inconscientes-e-o-disparador-politico-para-o-alem-revolutivo/>. Acesso em: 03 de outubro de 2024.
CATTA-PRETA, Marisa V.. Diálogos entre Nise e Jung: a obra expressiva de Nise da Silveira e suas contribuições para a psicologia analítica. Junguiana [online]. 2021, vol.39, n.1, pp.111-126. ISSN 2595-1297. Disponível em: <https://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0103-08252021000100008>. Acesso em: 03 de outubro de 2024.
VEIGA, Edison. Nise da Silveira: quem foi a psiquiatra brasileira que foi pioneira no tratamento com artes. BBC News Brasil, Londres, 27 maio 2022. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-61603637>. Acesso em: 03 de outubro de 2024.
LIMULJA, Hanna. O desejo dos outros: Uma etnografia dos sonhos yanomami. Ubu Editora. São Paulo. 2022.
KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu. Companhia das Letras. São Paulo. 2015.
ESBELL, Jaider. Universos que se espelham nas artes. In: TERENA, Naine; DUARTE, Andreia. Teatro e os povos indígenas, janelas Abertas para a possibilidade. Outra Margem. São Paulo, 2021. Disponível em: <https://www.outramargem.art/janelas-abertas-para-a-possibilidade>. Acesso em: 03 de outubro de 2024.